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O doce coração de Cora Coralina

  • Foto do escritor: Denise Soares
    Denise Soares
  • 19 de set. de 2017
  • 3 min de leitura

Cora Coralina, na aurora dos seus 76 anos, publicou a obra Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, seu primeiro livro, em 1965. Desde então, o mundo passou a saborear as doces palavras de sabedoria, consolo e saudade da poetisa, doceira e contista de tempos passados e presentes. A simplicidade da escritora é um tesouro da literatura nacional.


Ela nasceu e cresceu na casa velha da ponte sob o nome de Ana Lins de Guimarães Peixoto. À época, era comum batizar as meninas da cidade com o nome de Ana, em homenagem a padroeira, Sant’Ana. Aos 15 anos, a jovem passou a usar o pseudônimo Cora, o Coralina veio depois. “Não queria que a minha glória literária fosse atribuída a outra Ana mais bonita do que eu”, confessou certa vez. A escritora alcançou seu intento.


Alheia aos modismos literários, a poetisa escrevia com afã. Sua neta Ana Maria Thanan revelou em seu blog que a avó escrevia sobre qualquer papel que lhe caísse às mãos. “Se a inspiração transbordasse, desprezava os limites, ia desenhando letras pelos cantos (...). Se tivesse tempo, passava a limpo, em cadernos caprichados ou em blocos de carta. Caso contrário, fi cavam por ali, esquecidos em meio a livros, recortes, folhetos. Perdidos nos guardados”.


A simplicidade de Cora se contrasta com atitudes precursoras. Aos 20 anos, lutou contra o conservadorismo de sua época ao deixar Goiás para se casar com Cantídio Tolentino de Figueiredo Bretas, pai e separado. Nesse período, distante do solo goiano, ela publicou artigos em jornais da cidade de Jaboticabal (SP). Quando questionada sobre esse tempo, ela confidenciou “nunca me apaulistei, nunca me ausentei”. Viúva e com filhos criados, Cora voltou a Goiás onde vendeu livros, doces, e manteve os ofícios até o fi m dos seus dias.


Entre poetas


A projeção nacional de Cora surgiu com a segunda edição de Poemas dos Becos de Goiás. A obra foi lançada pela editora da Universidade Federal de Goiás (UFG), em 1978, e um dos exemplares foi encaminhado ao poeta Carlos Drummond de Andrade. O encanto de Drummond foi instantâneo, a ponto que, não possuindo referências sobre Cora, enviou uma carta à UFG.


Cora Coralina. Não tenho o seu endereço, lanço estas palavras ao vento, na esperança de que ele as deposite em suas mãos. Admiro e amo você como alguém que vive em estado de graça com a poesia. Seu livro é um encanto, seu verso é água corrente, seu lirismo tem a força e a delicadeza das coisas naturais. Ah, você me dá saudades de Minas, tão irmã do teu Goiás! Dá alegria na gente saber que existe bem no coração do Brasil um ser chamado Cora Coralina. Todo o carinho, toda a admiração do seu Carlos Drummond”, dizia a epístola.


A partir dessa publicação, os poetas trocaram cartas e elogios. A medida em que o reconhecimento do talento de Cora crescia em todo o país, a poetisa não perdia a humildade e serenidade. Tais características, aliadas a originalidade da escrita, tornaram-se sua marca pessoal.


A poetisa viveu os últimos dias na velha casa da ponte, local que a esperou regressar após 40 anos distante, para juntos espalharem sobre a terra, e sob as águas do Rio Vermelho, a interpretação de miudezas singelas que trazem graça à vida. Cora faleceu aos 95 anos em Goiânia e deixou como herança uma lição de força e sabedoria.


* Imagem: Revista Pazes

* Texto originalmente reproduzido na revista Sbot-GO

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© Denise Soares 2017 

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